domingo, novembro 07, 2004

Hoje, pela primeira vez, depois do funeral, chorei...
Não foi de saudades, nem lamentando a morte da mamãe. Aceitei com resignaçao, considerando os 88 anos.
Infelizmente, minha irmã tem um comportamento muito mesquinho, que me revolta. Tudo começou já no dia seguinte ao sepultamento, quando ela se candidatou a herdar duas peças decorativas, cinzeiros japoneses em ferro fundido. Disse que se ninguém quisesse ela queria. Depois, só a vi embrulhando uma faca para já se apossar dela. Era uma faca japonesa, para cortar verduras ou sushi.

Na tarde deste domingo, sete dias depois, recebi um telefonema da sobrinha, que estava chegando em Sampa. Primeiro tocou o celular e depois o fone fixo. Disse algo como:
"Estivemos na casa da vovó, atendendo um chamado do tio. Fomos arrumar as coisas. Trouxemos sua parte na herança. Vocês não querem ir jantar com a gente?"
Tive vontade de soltar um palavrão. Mas me lembrei da recomendaçao de mamãe pra vivermos em paz quando ela partisse... Só recusei o convite, expliquei que minha filha voltaria ainda hoje pro quartel. E a sobrinha:
"E o que tem isso?"
E eu:
"Não tem nada, mas eu nao vou!'

Ora... o que tem de absurdo em querer jantar com minha filha numa noite de domingo, considerando que ela passa a semana fora?

Depois, minha irmã ligou várias vezes. Eu não atendi, mandei dizer que havia saído. Percebi que perguntou a minha filha se eu estava nervosa.
Ah.. Agora percebeu que eu fiquei nervosa! Sei...

Vejam bem: Eu não estava interessada em faca de cozinha ou qualquer objeto de valor. No dia seguinte ao sepultamento, apenas pedi a sobrinha para reservar uma colcha que eu fiz em crochê durante a minha adolescência. Acho que levei uns 5 anos, juntando todos os restos de lã dos trabalhos que eu fiz. Eu fiz 80% daqueles quadradinhos coloridos e minha mã fez os restantes 20%, além do acabamento, em lã preta. Claro que o acabamento requereu muito tempo e paciência. Mas a idéia e orientaçao sobre a colcha foram minhas.
Certamente eu vou receber essa colcha como "minha parte". Mas me entristeceu muito esse gesto mesquinho, sorrateiro, na surdina. E o pior: sei que depois minha irmã dirá que fora idéia da cunhada que logo queria desocupar tudo...

Não comentei antes, mas na noite da última quarta, ainda no hospital, mamãe me chamou e falou:
"Acho que a mamãe vai embora hoje ou amanhã. Se isso acontecer, procurem todos viver em paz!"
Aquilo me assustou muito. Nem consegui dormir. Fiquei vigiando o sono dela e me sobressaltando a qualquer ressonar mais alto. Assim que o dia começou a clarear até a acordei, cutucando-a no rosto. Dormia tão profundamente que me assustou. Ao despertar, ela me falou: "Que horas são? Você não vai à escola hoje?"
Na hora, pensei: "Xiii.. Ela caducou!"
Me limitei a responder: "Não, hoje nao vou..."
E ela: "Entao vou descansar mais um pouco..."
Naquela manhã tive medo até de sair pra tomar o café no refeitório do hospital.
Entretanto, uma hora depois, estávamos conversando normalmente. Por isso, quando meu irmao me telefonou, a caminho do aeroporto, eu o tranquilizei e o incentivei a viajar sossegado. Não sei se fiz bem. Acho que sim, mesmo porque a aquela hora ele nao iria mudar de planos, sabendo que minha mãe logo teria alta. Mas eu passei o tempo todo sobressaltada, preocupada, com aquelas palavras na mente...

É por isso que choro... porque é difícil viver em paz com minha irmã, mas vou seguir a recomendação de mamãe.

Eu não sei se existe outra vida... não sei se mamãe está na tal travessia... não sei se chegará ao Mundo Iluminado... Para mim, iluminações são boas lembranças. Procurarei me concentrar nelas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário