terça-feira, dezembro 13, 2005

Mais aspas

Edu escreveu:

"Nem o clima descontraído do carioca, nem Copacabana, nem o sol quente conseguem me relaxar. Ando tenso e assustadiço como cavalo. Melancólico, até. Apesar do céu de profundo azul daqui do Rio não foi suficiente para desanuviar a bruma de ansiedade que se formou a meu redor. Talvez a insistência de meu pai em me procurar, de forma até desagradável, para solicitar empréstimo camuflado de mentiras, talvez os eventos de fim de ano no trabalho dos quais sou responsável pela organização, talvez o vazio nos relacionamentos afetivos quando todos parecem se confraternizar...não sei, tudo isso têm me proporcionado momentos de melancolica e ansiedade.
Para representar essa angústia, estávamos no Mercadão de Madureira, uma Babel afro-carioca, um templo pagão onde a mistura das cores das roupas coloridas de Orixás se confunde com os piscas de Natal, quando ouvi um grito de criança. Não era uma criança. Era um balido. Um sernhor mestiço, rotundo, com uma senhora negra, chegavam ao ponto de táxi em frente ao Mercado com um carrinho contendo 4 ou 5 pequenos cabritos ensacados. Só as cabeças dos pequenos animais ficavam fora dos saquinhos plásticos.
Levei um choque. O olhar de resignação dos cabritos com seu destino tocou fundo meu coração. Não esperneavam. Agora ficavam quietos e eram colocados no porta-malas do carro junto com outras compras. Minha mãe, ao meu lado, começou a chorar copiosamente. Pensei em chamar o policial que estava próximo, mas ele nem sequer estravanha o que acontecia a sua frente. O calor castigava a rua e eu imaginava como 4 ou 5 cabritinhos poderiam suportar a falta de ar e a temperatura em um porta-malas. Senti-me impotente para salvar suas vidas. Dentro do carro, vi palmas brancas. Será que os cabritos seriam para um sacrifício ou algo semelhante? Tal idéia me causou calafrios.
Tudo isso ressaltou ainda mais a estranheza daquele local, mistura de muitas épocas em um mesmo lugar. Artigos chineses, temperos e ervas desconhecidas, piscas de Natal e papais-nóeis ao lado de oferendas e de imagens de mulheres opulentas, de vermelho, e pretos-velhos.
Ah, como gostaria de esquecer um pouco tudo e assistir a um filme legal..."

Fiz a besteira de mostrar o que meu amigo escreveu pra aquela amiga carioca... E ela:

"Olha, explicar pessoalmente sobre o que penso sobre o relato seria mais fácil do que por escrito, principalmente aqui neste meio. Vc bem sabe que adoro bichinhos e me horrorizo diante de qq forma de crueldade. No entanto, tudo isso varia muito de acordo com a cultura local. Pelo que entendi, seu amigo não é daqui. Ele simplesmente está aqui. Bem, o fato é que a gente aqui ,
por mais que adore bichinhos, não faz essa leitura de coisa "bárbara" como ele fez passar. Isso faz parte da cultura daqui. A gente aqui passa na frente de avícolas e vê certas aves e cabritos, que, pela cor, a gente já sabe a que fim se destinam. Por mais que soe frieza, a gente não se impressiona mais com isso. Faz parte. Os que gostam de animais, criam instintivamente uma carapaça, que é para a gente não sofrer com isso. Deu para entender?"

Eu não estou do lado de ninguém... nem dela, nem dele... Ficou assim por ser uma briga entre um legítimo paulistano da Moóca e uma carioca quase da gema.

Fiquei muito tempo sem comer carneiros... ou melhor, só comi pela primeira vez depois de casada, certa vez em que fui a Goiânia com a sogra. Isto porque, no interior de SP, onde eu cresci, tinham o costume de sangrar ovelhas lentamente, pendurados a uma árvore. E eles choravam silenciosamente... Carneirinhos sempre me lembraram anjos e sacrifícios. Eu, que nunca fui católica mas assistia a aulas de religião, ficava imaginando a relaçao entre esses dois seres encaracolados: anjjos e cordeiros. A lembrança voltou há dois anos quando assisti "Evangelho segundo Jesus Cristo" (Saramago) e fiquei encantada com os jovens atores que encarnavam saltitantes cordeiros pastoreados por Jesus.

Por que eu escrevi isso tudo?
Sei lá... Deu vontade!
Minha amiga me deixou triste...

Nenhum comentário:

Postar um comentário