domingo, dezembro 23, 2001

Mil historinhas que tenho de concluir ainda este ano...
Mas enquanto não faço isso, vou copiar aqui uma historinha muito antiga, iniciada nos meus primeiros tempos de Internet, há exatos seis anos. Sei que foi esse o tempo decorrido pois o sobrinho a quem me refiro é o que se formou em Direito este mês.

Uma Historinha...


Certa manhã de domingo, quando iniciei-me na Internet, estava num chat de um provedor de São Paulo, quando entrei numa sala, mais para conhecer o mecanismo. Era uma conversa em grupo, papos inconsequentes. Eu me identificava como Su apenas. As perguntas inciais eram genéricas e começamos por revelar a idade. Ao ver que todos ali tinham menos de 20 anos, fiquei meio constrangida e disse que tinha eu também 20 anos.

Procurei falar igual a eles... Usei a mesma linguagem, com ajuda de meu marido e minha filha, que a tudo assistiam, divertindo-se com minha brincadeira. Construí toda uma personagem: mestiça, 20 anos, estudante de tecnologia de alimentos, na Unicamp (universidade das mais conceituadas). Fiz de meu marido um suposto pai e de minha filha, a irmãzinha de 11 anos. Inventei ainda um irmão de 16 anos, cuja estrutura me baseei num sobrinho. Só que, para justificar o nome, fiz do pai publicitário japonês, às voltas com trabalho de banda desenhada. Evidente que a história iria “colar”, pois na empresa que citei (Estúdios Mauricio de Sousa) 80% dos artistas são de origem japonesa. A personalidade da “mãe”, construi misturando eu mesma com uma sobrinha de minha idade, que é médica.

Resumindo: a personagem que estava naquele chat se chamava Susan Miwa de Paiva Takeda (Susan para justificar o Su), tinha 20 anos, filha de um suposto Paulo Takeda e Suely Paiva. Tinha uma irmã de nome Paula e um irmão chamado Hélio, vestibulando para o curso de Direito.

A princípio, era um exercício literário que eu estava fazendo. Não tinha intenção alguma de magoar as pessoas, tampouco brincar com sentimentos alheios... Mas, dentro daquele grupo, havia um garoto, de nome Hugo, que se identificou muito comigo e sempre me chamava para conversar. O primeiro papo mais longo ocorreu naquela noite de domingo, quando eu tornei a acessar. O principal ponto em comum entre Susan e Hugo era a origem japonesa. O garoto, de 18 anos, estava sozinho na casa da avó, que estava prestes a retornar de uma viagem ao Japão. Era um menino muito responsável, inteligente, que cuidava dos irmãos pequenos, enquanto fazia companhia a maior parte do tempo à avó, para não deixá-la sozinha em outro bairro.

Estavam reprisando o último capítulo de uma novela romântica e ele contou que chorara com últimas cenas... Revelou-me suas angústias, muitos pensamentos íntimos... E eu, do alto de minha experiência, sentindo-se tal qual mãe dele, dei-lhe muitos conselhos interessantes... Ele me contou como se sentia só, pois a mãe é líder religiosa importante e vive a viajar muito, dando palestras pelo país afora... E eu falei sobre as dificuldades que enfrentara recentemente nos exames vestibulares, o esquema que montara para estudar - baseando na minha própria experiência, ainda válida depois de 20 anos - e nas experiências de meus sobrinhos e nas notícias de jornais.

Ele ficou muito ansioso por me conhecer, e percebi-o um tanto empolgado com a descrição física que fiz: 1,75m, cabelos negros, por volta de 60 quilos... Baseei o lado físico na minha sobrinha Daniela, que é exatamente assim... E procurei falar sempre como uma menina de 20 anos. Ele estranhou que eu tivesse tanta maturidade e cultura. Justifiquei justamente remetendo aos padrões rígidos da cultura japonesa, imosta e cobrada por meus avós, e o fato de ser filha mais velha. Contei que desde pequena fui dada a muitas leituras, por ser eu uma pessoa bastante tímida, e que essas leituras me tornaram uma pessoa ótima em redação. Mesmo assim, procurei cometer um errinho ou outro, para que ele não desconfiasse...

Em quase todas as noites de domingo, ele me esperava e nós conversamos durante pelo menos uma hora, por uns seis meses. Tinha certo drama na consciência, mas concluí que não poderia revelar a verdade a tal atura do campeonato. Então, prossegui com a mentira, vivendo a tal personagem. Quando ele iniciou os preparativos para o Vestibular, ajudei-o muito, corrigindo os erros de gramática nos e-mails e aconselhando-o em técnicas de redação. Além disso, quando Hugo estava em dúvida sobre a carreira pela qual optar e também sobre estágios, trabalho... Creio que lhe dei conselhos que nunca esquecerá... E tenho a certeza de que o marcaram bem mais do que os dados pela própria mãe. Deve ter ganhado uma dimensão especial por vir de alguém quase igual a ele: uma garota de 20 anos...

Por muitas vezes, ele me pediu para lhe telefonar ou mesmo nos encontrarmos para conhecer. Para sair fora dessa possibilidade, inventei a ele uma história fantástica de um certo encontro que tivera com uma pessoa que conhecera antes pela Internet. Disse que meu pai era muito rígido e que eu havia prometido a ele que jamais tornaria a repetir o ocorrido. Contei que essa promessa fora uma condição imposta por meu pai e que jamais poderia quebrá-la, sob o risco de ter meu acesso cortado definitivamente. Ele entendeu e jamais tornou a falar em nos vermos pessoalmente ou conversarmos por telefone... Houve momentos em que o vi ligeiramente envolvido sentimentalmente, até apaixonado por Susan... Nesse dia, comecei a arrumar um namorado real para Susan... um bom motivo para cada vez ter menos tempo para Internet...

Quando vieram os exames vestibulares, acompanhei os resultados com ansiedade pelos jornais. Infelizmente, ele não passou na USP, porém conseguiu ingressar em uma boa faculdade...Meu sobrinho, que inventei ser meu irmão, conseguiu a sonhada vaga na Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco, da USP, e Hugo pôde ler o nome de irmão de Susan na lista: Helio Takeda (filho de meu irmão). Se o garoto desconfiou por um momento de minha identidade, estava ali uma “prova concreta” de quem “eu” era!

Houve também um outro acontecimento marcante na colônia japonesa. Em julho do ano passado, quando a amizade de Susan e Hugo estava na fase mais intensas, meu irmão, que é juiz de Direito e diretor do fórum, ganhou um título de cidadania em minha cidade, e andou por aparecer em jornais e noticiário de televisão. Nosso sobrenome é marcante e a imagem dele bastante conhecida no meio jurídico... O pai de Hugo é advogado e trabalha com um político também da colônia japonesa, e foi um dos convidados para um jantar muito concorrido... O assunto apareceu nas colunas sociais e... eu tive a cara-de-pau de dizer que meu irmão era tio de Susan. Mais uma história que “colou”, pois eu tenho um irmão cujo nome de batismo é Paulo (apesar de poucas pessoas saberem desse detalhe)!

Depois, quando vieram as eleições municipais e o candidato apoiado pelo pai de Hugo ganhou, conversamos muito sobre política e eu o aconselhei a não aceitar trabalhar no gabinete dele... E ele seguiu meu conselho, optando por um estágio na indústria têxtil, uma vez que havia concluído curso técnico na área. Depois, falamos muito sobre faculdades... e, mais uma vez, sei que meus conselhos tiveram validade na hora em que ele decidiu optar por engenharia industrial...

Sei que fiz uma coisa não muito certa... Porém, depois que havia começado, não havia como parar... Então, a saída foi ir reduzindo os contatos, aos poucos. Minha saída do provedor onde nos conhecemos favoreceu esse desligamento. E, no início deste ano, Susan começou a trabalhar, em Campinas, de onde quase não tem vindo nem nos finais de semana, pois precisa estudar muito e anda exausta! Em julho, contei que Susan conheceu uma pessoa interessante, com quem iniciou um namoro... Ela está até pensando na possibilidade de ficar noiva e se casar... Hugo entendeu... e confidenciou a Susan que também está de namoro com uma colega de faculdade...

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